terça-feira, 22 de outubro de 2013

Quatro luas

Te vi lá no meio da lua
Era sonho, é claro,
mas gostei da vista

Você falava uma língua esquisita
Eu franzia a testa
Fui chegando mais perto
Mas – você sabe como é a lua –
cada passo era uma eternidade

Fiz de conta que entendia tudo
(Como eu mentia!)
Meu riso não te convencia
(Essa nossa testa franzida
sempre nos denuncia)

Eu falava, o som não saía
Nenhum marciano aparecia
Nem anjo, nem capeta
Ninguém me ajudava

Eu não entendia o que você falava
Você não ouvia o que eu dizia
Brincando de astronauta,
a frustração ficava até divertida

Mas um dia você parou de falar
Veio na minha direção
e demorou quatro luas
pra alcançar a minha mão
(Eu disse quatro luas!)
É muito tempo pra quem tem
testa franzida no coração

Enquanto você vinha,
aprendi a girar
em torno do meu próprio eixo
No ar. Sem gravidade

Depois dessa, quando te vejo,
só penso numa coisa:
Me leva pra lua? 

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Do alto de uma suspeita


A esta altura, nasce a dúvida:
O sereno chama pra rua, mas não abre a porta
O frio treme por dentro, mas guarda segredo
A noite é traiçoeira, mas não tem culpa

A esta altura, vive a dúvida:
Pisar no chão ou furar a nuvem?
Envolver palavras ou flertar com o silêncio?
Canivete ou soco inglês?

A esta altura, salta a dúvida.
Sem paraquedas, sem bombeiro,
Sem gritos, sem cama elástica.
Nem público.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Florescência

Aquela orquídea
que você me deu
nunca mais floresceu

Está viva, verde
até com viço,
mas é só folhas

Dizem que floresce
uma vez por ano
Mas esta, parece,
floresce uma vez na vida

Já mudei de lugar,
dei sombra, luz
muita água, pouca água
E nada.

Fica bonita assim mesmo
Monocromática
Vendo o passar dos anos
pela minha sala

Quem me visita
se interessa pela planta
Pergunta o que faço
pra mantê-la forte,
verdejante

Orgulhosa, respondo que aquela
é a orquídea que você me deu
e que nunca mais floresceu.
Antes ela do que eu.



domingo, 30 de outubro de 2011

Tropeço

Era quase um degrau,
que parecia uma rampa.
Ou era quase uma rampa,
que parecia um degrau.
Por isso eu não vi o degrau-rampa
e você também não viu a rampa-degrau.

O resultado foi o tropeço
no mesmo quase-lugar

Não doeu
nem em mim, nem em você
mas o sentimento foi o mesmo:
o medo de cair
e desabar toda a compostura

Passado o susto,
quase nos unimos
no consolo de uma topada.

Mas podia ter sido pior:
eu quase te deixei escapulir
e você quase não leu isso aqui.

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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O melhor vestido

(Para Guilherme Reis)


Hoje botei meu vestido mais bonito
colorido
e fui me despedir do amigo

não foram meus pés que me levaram
nem o carro
nem o tempo

fui levada pelo sorriso
pelo brilho
que o amigo espalhou pela cidade

A roda da saia me lembrou canções
os brincos vermelhos, algumas piadas
a tristeza me lembrou o vazio,
que não combina com nada

Por isso hoje
botei meu vestido mais bonito
colorido
e fui me despedir do amigo.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Título

Um dia o conto decidiu crescer. Mas cresceu muito: virou romance. Amou, casou... Aí ele quis encolher. Mas encolheu tanto que virou um... título.

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quarta-feira, 19 de maio de 2010

Reflexos

A imagem do lustre aceso
reflete no vidro
da janela fechada
que reflete no espelho
que reflete nas lentes
dos meus óculos.
Às vezes,
fazer você me olhar
me dá um certo trabalho.

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