quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Já era

Era pra ser um poema de despedida,
mas cadê vontade?
Era pra ter sido uma noite sem bebida,
mas cadê coragem?
Era pra eu esquecer o teu cheiro,
mas ele é tão bom...
Era pra eu não reconhecer a tua voz,
mas eu ainda me arrepio!
Era pra eu ficar em paz,
mas você é muito atento.
Era pra eu não querer te ver nunca mais,
mas nunca mais é muito tempo.



Publicado no site Releituras.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Obra mais que prima*

Um bezerro azul de plástico
Metade de um pião rosa de plástico
Um minimickey dos anos 70, de plástico
Uma bola vermelha que não é de plástico,
de um jogo perdido
Tudo isso dentro de um copo transparente,
de requeijão, de plástico,
com tampa azul de plástico.
Unindo os objetos, água.
Na ponta da língua, uma resposta plástica:
– É uma obra-tia, mamãe!



*Inspirada na obra de João Fernandes de Medeiros e Albuquerque

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Casal comum

Ela era uma mulher comum: demorava horas pra se arrumar, ficava um tempão no banho morno em pleno verão, esquecia da hora quando pegava o telefone e sonhava com o Chico Buarque. Justificava suas manias com a seguinte frase:

− Mulher é assim mesmo.

Ele também era comum: dono do controle remoto da televisão, não perdia um futebol por nada, jogava a toalha molhada na cama e fingia que escutava metade do que ela falava. Para justificar suas manias, ele sempre dizia:

− Homem é assim mesmo.

No início, tudo era engraçadinho e as diferenças se completavam. Com o tempo, a gracinha virou piada, a piada virou ofensa, a ofensa acabou em gritos. Um dia, enquanto zelava o sono do filho, ela percebeu que não valia a pena brigar por coisas tão pequenas e resolveu mudar. Passou a se vestir mais rápido, tomar breves banhos frios e falar apenas o necessário ao telefone.

Ele, notando sua mudança, sem que a mulher lhe pedisse nada, fez algumas concessões: comprou uma televisão pra ela, deixou de ver os jogos da segunda divisão, passou a se arrumar no banheiro e aprimorou sua linguagem corporal, aparentando atenção a cada palavra que ela dizia. A convivência ficou tão boa que tudo parecia um sonho.

E por falar em sonho, a única coisa que ele ainda não consegue entender é porque a cada dia que passa ela vai dormir mais cedo e deu pra acordar cantarolando canções do Chico.