domingo, 6 de dezembro de 2009

Por via das dúvidas

Eu prometo
que vou te esperar
sem tropeço

Eu prometo
que só vou falar
com quem conheço,
mesmo assim,
com algum receio

Eu prometo
que só vou estar
com quem mereço,
mesmo assim,
só no bar do Alfredo

Por isso mesmo
eu te peço:
meu amor, volte cedo.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sentidos atentos

Hoje, quando o sino tocou, despertei.

Não com o som, mas com o silêncio

que só eu ouvi.

Por que todo esse volume?

Quem ousa competir com minha lembrança?


Depois, quando o sino parou, me toquei.

Peguei o vazio, fiz dele um perfume

e saí voando, subindo e descendo,

até cair feliz da vida no teu pensamento.


quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Desencontro

Fica você aí,
achando
que não te quero

Fico eu aqui
olhando
pro telefone

Mal sabe
que te espero

E eu mal sei
o teu nome.

Eta jogo complicado!

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Pergunta pra Clarice

Está certo. A vida é uma aprendizagem.
Mas será que ela não exagera
um pouco
na quantidade de lições?



.

domingo, 31 de maio de 2009

Borrão

De repente senti a gota
descendo
_______sem
__________licença
sobre a mancha pouca
que borrou a crença
de nossas bocas.


Publicado no Correio da Lavoura.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Falsa calmaria

Calma.
Não te escrevo
não é por desamor.
É por espanto.

Calma.
Não te escrevo
não é por rancor.
É por quebranto.

Daqui a pouco,
vem uma enxurrada
de versos diversos
repletos com a tua alma.
Daqui a pouco,
tudo vai ser inverso:
meu destino na tua palma
e você me pedindo calma.


Poema musicado por Ivan Lins.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Conselho

Não espere muito de mim
porque sou muito pouco
Pouco para o que você sente
Pouco para o que você merece

Não espere nem se apresse
porque, além de ser muito pouco,
sou menos do que imagina
Anjo barroco sem ouro
sujeito a qualquer sina,
baião de Edu Lobo sem rapina,
instrumento que não se afina

Não espere muito de mim
porque sou muito pouco
Não espere muito nem pouco amor.


Poema musicado por Leandro Braga.
Publicado no Balaio Porreta.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Já era

Era pra ser um poema de despedida,
mas cadê vontade?
Era pra ter sido uma noite sem bebida,
mas cadê coragem?
Era pra eu esquecer o teu cheiro,
mas ele é tão bom...
Era pra eu não reconhecer a tua voz,
mas eu ainda me arrepio!
Era pra eu ficar em paz,
mas você é muito atento.
Era pra eu não querer te ver nunca mais,
mas nunca mais é muito tempo.



Publicado no site Releituras.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Obra mais que prima*

Um bezerro azul de plástico
Metade de um pião rosa de plástico
Um minimickey dos anos 70, de plástico
Uma bola vermelha que não é de plástico,
de um jogo perdido
Tudo isso dentro de um copo transparente,
de requeijão, de plástico,
com tampa azul de plástico.
Unindo os objetos, água.
Na ponta da língua, uma resposta plástica:
– É uma obra-tia, mamãe!



*Inspirada na obra de João Fernandes de Medeiros e Albuquerque

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Casal comum

Ela era uma mulher comum: demorava horas pra se arrumar, ficava um tempão no banho morno em pleno verão, esquecia da hora quando pegava o telefone e sonhava com o Chico Buarque. Justificava suas manias com a seguinte frase:

− Mulher é assim mesmo.

Ele também era comum: dono do controle remoto da televisão, não perdia um futebol por nada, jogava a toalha molhada na cama e fingia que escutava metade do que ela falava. Para justificar suas manias, ele sempre dizia:

− Homem é assim mesmo.

No início, tudo era engraçadinho e as diferenças se completavam. Com o tempo, a gracinha virou piada, a piada virou ofensa, a ofensa acabou em gritos. Um dia, enquanto zelava o sono do filho, ela percebeu que não valia a pena brigar por coisas tão pequenas e resolveu mudar. Passou a se vestir mais rápido, tomar breves banhos frios e falar apenas o necessário ao telefone.

Ele, notando sua mudança, sem que a mulher lhe pedisse nada, fez algumas concessões: comprou uma televisão pra ela, deixou de ver os jogos da segunda divisão, passou a se arrumar no banheiro e aprimorou sua linguagem corporal, aparentando atenção a cada palavra que ela dizia. A convivência ficou tão boa que tudo parecia um sonho.

E por falar em sonho, a única coisa que ele ainda não consegue entender é porque a cada dia que passa ela vai dormir mais cedo e deu pra acordar cantarolando canções do Chico.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Pronta


Dessa vez, não chorei
O desprezo desceu
pela garganta
até meu ventre vazio.

Dessa vez, não te esperei
Preferi a dor seca,
o corpo esguio,
o riso vadio, o frio.

Valeu a pena ficar inteira
Foi bonita a cena
do meu descaso
Teu ego caído
me faz muito bem
Meu olhar distraído
atraiu outro bem

Dessa vez,
virei o jogo
virei a cara
pronta pra outra
pronta pra outro
bem melhor que você.


Publicado no Balaio Porreta, de Moacy Cirne.

Filme antigo, Patetice e Expectativas


Filme antigo
O amor da gente
é tão antigo,
mas tão antigo
que ontem,
ao sonhar com você,
sonhei em preto e branco.

Patetice
Descobri que não sou poeta
quando me apaixonei por você.
O que eu sou mesmo
é uma pateta.

Expectativa
A criança, o ônibus,
o jornal, o banco,
o olhar, o mendigo,
a pipoca, o carro,
a tristeza, o orelhão,
o poste, o desânimo,
a árvore, o pombo,
o papel, a caneta,
a lágrima, o lenço,
a rua, a casa,
a saudade, a foto.
Enquanto te espero, nada rima.




Publicados no Balaio Porreta.

sábado, 10 de janeiro de 2009

O intruso e Amor primitivo


O intruso
O intruso encontra comigo no bar
Beija minha mão, pede mais um
Puxa a cadeira, pede mais um
Come um bolinho, pede mais um
Paga a conta quando vem mais um.
O intruso me deixa em casa
Abre minha porta como se fosse dele
Abre minhas pernas como se fossem dele
O intruso vai embora tarde
Pede desculpas e deixa elogios.
Diz que qualquer dia volta
pra gente tomar mais um.
Mal sabe que amanhã mudo de endereço,
de cidade e de nome.
Mais um.

Amor primitivo
O nosso amor é tão bronco
(digo no melhor sentido)
que até o barulho do teu ronco
desperta minha libido.

Publicados no blog No Front do Rio, de Cesar Tartaglia.